Longos os dias de estio. Longos nas horas corpulentas de
calor.
Um calor que teima em alongar as tarefas e multiplica os
olhares ao visor do relógio. Os dias ensolarados do veraneio tuga que cozem a
pele de quem coloca uma gravata e sufoca no aperto do colarinho.
Uma cidade que se vai derretendo como um gelado. Aqui e ali
um sopro de brisa que parece retirada das ondulantes dunas Saharianas. Um
braseiro lento para assar quem passa e que bule com as suas obrigações.
Não resta opção senão olhar o relógio uma vez mais e
suspirar que os minutos se encurtem. Pura ilusão. Pura utopia. O minuto dura. E
dura aquilo que um minuto dura. A hora que demora uma hora. Um acumular de suspiros
e de olhares ao relógio.
Amanheceu assim ontem… e assim amanheceu hoje. Uns quantos
(poucos certamente), felizardos gastam umas notas do que resta do subsídio de
férias (se é que sobram algumas de um excedente que muitos nem viram), para
alcançar os areais que lhes vão queimar as solas dos pés. Os demais ou não
chegam sequer a conseguir alcançar tal punição ou simplesmente ajeitam uma vez
mais o nó da gravata para de seguida suspirar de novo com o avanço dos
ponteiros.
Mas o tempo que marca
o seu ritmo sempre igual acaba por avançar e por ceder … o calor abranda mas
não cede e a noite apenas tapa o Sol aberto. Na penumbra o gentio refastelado
no areal mantém-se firme e não arreda pé. Acha-se no direito de ali se manter
depois de tantas horas de colarinho apertado. Chego nesse instante… o dito
relógio anuncia já as 20h30… o calor anuncia a sua estadia noite fora.
Meia dúzia de passos e molho os pés… algumas ondas em
silêncio e outras tantas em plena conversa em voz alta. Quem me ouvisse diria
que sou louco. Falo por falar para ninguém ouvir. Quem eu quero que me ouça
escutaria até no meu silêncio. E vem um pensamento feito frase “esta é pela
minha filha!”… um onda longa e plena de perfeição que é já passado, antecede
esse pensamento… mas se a onda se foi o pensamento esse ficou. “Pela minha
filha!”
Não estou seguro de ter interiorizado a ideia ainda… mas sei
apenas que faltam umas 3 semanas para lhe ver a cara, sentir a pele, o cheiro e
o choro. Que alegria! Que emoção! Mas terei interiorizado? Não creio… é difícil
quando tentamos concretizar algo que apesar de já materializado ainda não se
consegue plenamente ver ou tocar.
Mais uma onda… e o pensamento ficou na mesma… 3 semanas… uma
pela minha filha… e dou por mim sem saber bem como a já viver em função dela e
não de mim. Não surfei uma que fosse por ou para mim… todas por ela… com a ressalva
da que dediquei à mãe…
Assim se suspira sem olhar o relógio rodeado do calor da
noite que me abraça como se abraça uma filha, com carinho.
Aquele abraço.
70s
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