19 de abril de 2010

Jacobeu 2010 - dia 4

Saímos do Albergue de Fonfria ainda no alvorecer depois de uma pequeno almoço reforçado. O cenário é em tudo semelhante ao do dia anterior... BRANCO...

(saída do albergue de Fonfria)

... durante a noite o chão encheu-se de neve fresca. 6 cm de manto branco recebem os nossos passos... este é o dia em que abandonamos a altitude nevada para a trocar pela descida à planície encharcada pela chuva.


(a neve cede o seu lugar à chuva na descida para Filloval)

Longe de imaginarmos que este dia seria um verdadeiro inferno lançamo-nos aos primeiros km com alegria, vontade e ainda deslumbrados pelo manto branco... este acto de magia maravilhoso que a natureza nos oferece.
Esta magia tem no entanto a sua factura, e como viríamos a descobrir no final deste dia, a nossa máquina fotográfica sucumbiu às fortes chuvadas que iríamos apanhar antes de Sarria.

Com o avançar dos km a neve vai rareando e dá lugar ao verde dos montes de baixas altitudes... num dos pontos de paragem a vista é brutal. Na descida para Filloval e antes da paragem no novíssimo Aire del Camino (uma bar-tienda aberto à apenas 15 dias e gerido pela Rosa e Albino) avista-se Triacastela...


(o novíssimo Aire del Camino em Filloval)

Emparedados entre o Monte Oribio e o Vale de Triacastela, e depois de Filloval atravessamos a pequena povoção de As Passantes na centro da qual está uma daqueles castanheiros das histórias de encantar. Com 800 anos de idade e uma dimensão desmesurada deixa a certeza de ter visto passar milhares de peregrinos. Imagino o que seria sentar deixar da sua sombra imensa e escutar as histórias da sua vida.


(o imenso Castanheiro)

A entrada em Triacastela é tal como a saída, desinteressante. Mais uma vila que vive de e para os peregrinos. É hora da abastecer a malinha da comida. Seguem-se 11km até Furela sem qualquer ponto de abastecimento, café ou abrigo... seria o nosso calvário. Seria o nosso teste. O tempo aguardava-nos silencioso para nos colocar à prova.

Na saída da vila optamos pelo caminho de San Xil, em detrimento do troço por Samos (onde o seu convento de pedra deixa quem por lá passa sem palavras para o descrever)... o troço que escolhemos atravessa um imenso bosque que se prolonga entre Triacastela, Balsa, San Xil, Alto do Riocabo, Montan, Fontearcuda e Furela...


(Balsa)


(O bosque de San Xil)


(Alto do Riocabo)

...são uns 11km em que as povoações que existem parecem ter parado no tempo, sem apoios, cafés ou protecções contra o mau tempo, são meros aglomerados de 4 ou 5 casas (por vezes menos), totalmente fantasmas.

(algures no bosque alagado de Montan)

O problema não seria a distância. Muito menos a falta de apoios... a questão é que nada nos prepara em momento algum para o que nos iria suceder. O terreno era duro, subidas fortemente inclinadas, falsos planos, o passo é lento... talvez muito lento... mas o calvário seria a tromba de água que assolou a província neste dia. Segundo nos disseram mais tarde (já em Santiago), esta teria sido a pior tromba de água da ultima década na região....


(depois de encharcados, pouco resta a fazer... Caminhar é a opção)

A chuva começou a cair quando chegávamos a Balsa e durante 11km até Furela nunca deu uma trégua... as pesadas gotas, batidas a vento forte, deixaram-nos ensopados até aos ossos em pouco mais de 10m... as mochilas apesar da sua impermeabilidade cederam e muitos foram os pertences que ao sair da mochila no final deste dia mais pareciam ter sido arrastados pelos ribeiros ou lançados às enormes torrentes de água que constantemente vinham alargar ainda mais as botas.
(encharcados, enregelados... na chegada a Furela)

O frio fez então o seu papel... a nossa temperatura corporal, apesar do passo mais duro que implementámos fez o seu trabalho e gelou a roupa molhada no corpo. Instalou-se um certo desespero. A fome atacou, mas era impossível parar. Não só não tinhamos onde, como não encontravamos abrigo para o fazer.... ainda assim suportámos a tempestade durante os 11km. Quase 4h a caminhar debaixo daquela torrente infernal que parecia não terminar....

Mas terminou. Cedemos! Em Furela a Joana dava sinais de hipotermia, tremia com frio, não sentia as mãos nem os pés. E ainda faltavam 8km para Sarria... pelo menos mais 2h30...

No unico café que encontrámos, curiosamente chamado A Casa do Franco... conseguimos engolir um caldo galego escaldado, um chá a ferver, café... e lutar com um aquecedor que teimou em demorar uns bons 45m para começar a aquecer... 45m foi precisamente o tempo que demorou conseguir um taxi para descermos a Sarria.

Como peregrino, abandonar o caminho ou ter que tomar uma decisão destas é algo que magoa... mas estou crente que é a decisão certa. E não hesitaria em assim decidir uma vez mais.... Os ultimos 8km do dia foram feitos de taxi... em poucos minutos chegámos ao Albergue. Banho quente e dormir foram a unica solução para a Joana... eu fui comprar umas calças realmente impermeáveis... o jantar foi rodeado dos amigos do Caminho... John, Max, Michael, Artur... e a ultima foto que a máquina fez foi precisamente o resultado do dia... as sofridas botas de quem caminha... diante de um aquecedor potente....

Resta uma nota.... quando saímos do táxi... o Sol abriu... senti-me gozado, maltratado... mas pensei... é Caminho... e amanhã vou continuar a caminhar.

(tratamento de choque - botas!)

Aquele abraço... o clássico!
70s

1 comentário:

Mafi disse...

Bem, brutal esta descrição e que Caminho!